29 de out. de 2016

Programa “Quiz TV”, que passa na CNT, pode ser caso de estelionato

Não perca tempo. Ligue agora. Você pode ganhar R$ 5 mil. É fácil. Me diga que palavra aparece aqui na tela, mas seja rápido…” São essas algumas das frases ditas repetidamente por uma apresentadora todos os dias, das 14 h às 16 h, no programa chamado “Smart Quiz”, produzido pela VIPMAX do Brasil Comunicações Ltda, do interior de São Paulo, e veiculado na CNT, de Curitiba. O problema é que a vontade de ganhar dinheiro fácil (o prêmio máximo é de R$ 5 mil) tem custado caro para muitos participantes que estão levando um susto com a conta telefônica.
A Rádio Banda B vem recebendo dezenas de denúncias de ouvintes que alegam não terem sido orientados sobre o custo das ligações para participar do programa, que, segundo verificamos, realmente não aparece de forma constante na tela, como determina o Código de Defesa do Consumidor. Apenas em alguns momentos, surge na parte de baixo da TV, em letras pequenas e móveis, que o custo é o preço de uma ligação para telefone móvel de São José do Rio Preto, sem especificar que valor seria esse.
Procuramos as principais operadoras de telefonia e, em nenhuma delas, esse custo passa de R$ 1 por minuto. Mas como o recurso usado pelo programa é utilizar uma operadora chamada IPCorp Telecom, com código 091, o valor cobrado oficialmente seria de R$ 2,99, mais impostos. Porém, muitos participantes afirmam ter contas telefônicas em que o valor do minuto cobrado chega a R$ 5,00.
A dona de casa Ivone Maria Prestes Marcondes, 58 anos, moradora de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, disse que só descobriu o valor da ligação quando veio a conta telefônica. “Eu liguei três vezes, na primeira, falei 12 minutos e veio R$ 86. Liguei de novo daí e falei mais oito minutos e veio R$ 40. Eles não nos dizem quanto vamos pagar, falam que é para deixar o nome e telefone depois disso a gente espera um sinal, aperta um número para que comece a participar. Daí eles vão fazendo perguntas pela telefonista sem entrar no ar. Quando a gente acerta, dão parabéns e a gente se empolga e vai ficando, mas não acontece nada. Meu filho acha que é tudo mentira”, relatou Ivone à Banda B.
Como funciona
A Banda B acompanhou o programa durante vários dias. A pessoa deve acertar uma palavra que se forma na tela. Sempre são dadas dicas e a resposta é simples, o que alimenta a expectativa de quem faz a ligação. No entanto, para você entrar ao vivo não basta apenas se cadastrar, é necessário responder uma série de perguntas que vão sendo feitas pelo telefone. Uma gravação incentiva que as pessoas respondam o maior número possível de perguntas de conhecimentos gerais. Quanto mais tempo você fica no telefone, mais pontos vai acumulando. Durante o programa, não é possível saber que apenas quem atinge a maior pontuação, participa ao vivo e responde a pergunta sobre qual palavra está aparecendo na tela com as letras embaralhadas. Na prática, a grande maioria das pessoas que ligam não chega a participar e só vai saber o custo desta “brincadeira” ao receber a conta telefônica. (Ouça no ícone de áudio, um trecho do programa)
“A gente fica, fica, fica e no fim não ganha nada e a conta vem muita alta. Vieram ligações de R$ 50, R$ 40 e eles ficam falando: ‘Fica, fica, fica, que você vai ganhar, não desliga não’. Estou em posse de todas as contas. Somando tudo deu R$ 370,00. Isso é um absurdo. A operadora do telefone tirou o valor dessas ligações e daí só paguei a minha conta, mas agora ao pessoal da TV me ligou dizendo que o nome do meu marido vai para o Seproc”, diz ela.
Irregularidades
A Banda B reuniu várias gravações com reclamações de participantes do programa e enviou o material para a Promotoria de Defesa do Consumidor, ligada ao Ministério Pùblico do Paraná. A promotora Cristina Corso Ruaro analisou as denúncias e assistiu ao programa. Segundo ela, há inúmeras irregularidades. A primeira delas é a falta de informação sobre o custo das ligações, que deveria ficar na tela da TV o tempo todo, e não só em alguns momentos como ocorre. Segundo a promotora, não fica claro qual o custo que terá que ser arcado pelo participante. “Os relatos que temos são de pessoas que se sentem lesadas porque o programa faz com que elas permaneçam no telefone por um tempo indeterminado para ganhar o prêmio anunciado, o que acaba não acontecendo. A ideia é que há irregularidades, seja na questão da falta de informação sobre o custo das ligações, seja na forma de ludibriar os participantes. A medida que não conseguem participar, talvez eles estejam sendo vítimas de um estelionato”, afirmou a promotora.
Segundo a promotora, a informação com o custo da ligação telefônica deveria vir de forma clara durante todo o programa. “Além do custo ser apresentado de forma clara, o programa teria que esclarecer no ar qual a estrutura do jogo, como são dados os prêmios e informar também o nome das pessoas contempladas em cada programa”, disse Cristina Ruaro.
Ela informou ainda que já existe uma ação da Advocacia Geral da União contra as televisões do estado de São Paulo que fazem a transmissão de programas no estilo “quiz”, de perguntas e respostas, o que deve acontecer também aqui no Paraná. “É cabível que se tomem providências para verificar as irregularidades deste programa”.
Para isso, a promotora pede que as pessoas denunciem. “As pessoas que se sentirem lesadas devem registrar uma ocorrência na Delegacia do Consumidor relatando a situação e informando o dia de cada ligação, com a apresentação da conta telefônica. Será instaurado um inquérito policial para verificar a eventualidade de ocorrência de estelionato ou até mesmo crime contra as relações de consumo, prevista em lei especial que diz – induzir o consumidor ou usuário a erro por via de indicação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade de bem ou serviço utilizando qualquer meio ou divulgação publicitária – em que que há pena prevista de 2 a 5 anos ou multa. Ou seja, é uma infração grave”, explicou.
Ressarcimento
A promotora informou ainda que é possível pedir o ressarcimento do valor pago nas contas telefônicas movendo uma ação no Juizado de Pequenas Causas, ou também registrar uma reclamação na Promotoria de Defesa do Consumidor pessoalmente ou por email. “Ainda não temos nenhuma denúncia feita sobre este programa na Promotoria, mas pedimos que as pessoas registrem as reclamações para que possamos investigar o caso e punir os responsáveis”, afirmou.
‘Ligam por que querem”
A Banda B entrou em contato com a CNT, que veicula o programa, e a informação foi de que a emissora apenas cede o espaço para a VIPMAX, que seria a responsável pelo programa. Por meio do contato com a CNT, conseguimos chegar até a pessoa que responderia pelo programa em São Paulo, identificada apenas como Livia. No contato gravado, ela disse ser responsável pelo pagamento dos contemplados e informou que reclamações são comuns, mas os participantes sempre são orientados a entrarem no site do programa (http://www.quiztv.com.br/), sendo que lá estariam todas as informações sobre as regras.
“Ligam porque querem. Pra jogar você tem que ver primeiro as regras e eu sempre falo que tá no site”, disse Livia. “Eles ficam bravos porque ficam horas e nao é chamado. É que alguém entrou com a pontuação maior. Isso que eles têm que entender. Todo mundo quer ganhar, até eu se pudesse jogar, queria ganhar”, completou.
Ao ser questionada sobre o motivo pelo qual não aparece o custo da ligação na tela, ela rebateu. “Como não aparece? Aparece sim, diz lá que é o custo de uma ligação móvel para São José do Rio Preto”.
Em todos os dias que a Banda B acompanhou o programa, apareceu apenas em destaque o número do telefone para participar e, apenas uma ou duas vezes, surgiu na tela a informação na parte de baixo, de forma móvel, sobre o custo da ligação, sem dar o valor exato. A representante do programa informou que iria pedir para que alguém do departamento jurídico da produtora entrasse em contato com a Banda B para dar mais detalhes, mas até o momento dof echamento desta reportagem, ninguém retornou.
Serviço
– Promotoria de Defesa do Consumidor – Marechal Floriano Peixoto, 1251 – Rebouças, Curitiba – Email – caopcom@mp.pr.gov.br
– Juizado de Pequenas Causas em Curitiba – Rua Inácio Lustosa, 700 – São Francisco
– Delcon Crimes Contra Economia e Protecao Ao Consumidor – Rua Desembargador Ermelino De Leão, 513 – Centro – Curitiba – PR
Telefone: +55 (41) 3322-7897

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